um pix errado e duas lições
uma crônica meio coach (mas de fracassos)
manhã qualquer de um dia qualquer. nada de especial. até que o telefone toca. um número estranho. não costumo atender. mas hoje, ~C. me pegou de bom humor ainda nas primeiras horas da manhã e antes de uma dose cavalar de café.
raro. mas acontece.
"alô... bom dia..." a voz era jovem, caracteristicamente adolescente, com aquela timbragem que irrita até em silêncio.
"bom dia. respondi. quem fala?" tomei a iniciativa já que do outro lado havia outro a hesitação de quem está prestes a dizer que capotou o corsa.
"eu fiz um pix pra esse número. pra você. foi errado, moço. você acha que pode me mandar de volta."
"claro! sem problemas, deixa eu olhar aqui e te aviso no zap."
"tá bom moço... brigado."
confesso que estou mais acostumado do que gostaria a ter vários dias sobrando no fim do meu salário, mas nesse mês eu tava de parabéns. um pix enganado até que ajudava.
mas vamos lá, devolver o dinheiro de ~C.. não tenho porque pensar muito e já devolvi dinheiros achados ao acaso de maneiras ainda mais inusitadas.
abri o app do banco, nada de cara — o saldo de agora parecia o mesmo de ontem. eu sabia porque tinha checado algumas vezes pra ver se alguma grana tinha brotado ali magicamente. ficava abrindo e fechando o app, atualizando, mais ou menos da mesma forma quando não tem exatamente o que você quer comer na geladeira mas você fecha a porta e espera uns 5 minutos pra conferir de novo e ver se apareceu.
mas assim como a comida, o dinheiro não surge simplesmente na conta.
nada do dinheiro de ~C. também.
abri o extrato detalhado — de repente um débito ninja tinha batido pra aumentar mais um pouquinho infortúnio de ~C.
mas não. nada mesmo.
abri as chamadas pra salvar o número de ~C. e mandar uma mensagem com a má notícia. antes ainda de eu finalizar o registro, ela já tinha me mandado mensagem.
de alguma forma, aquele acontecimento evocou em mim um fio de solidariedade. eu queria ajudar, mas o dinheiro realmente não estava lá.
uma das coisas que evocou minha solidariedade com a anônima foi o ter feito algo parecido no passado.
digitei o número de telefone e cliquei pra transferir sem prestar atenção no favorecido. estava digitando um número de telefone que tenho bem memorizado. o dinheiro devia ter ido pro lugar certo. outra coisa na qual não prestei atenção foi que eu digitei o número de telefone no campo de transferência para cpf.
e deu certo.
quando ~C. conferiu o comprovante e me enviou o print, percebemos juntos que ela mandou pro meu vizinho de número. os mesmos dígitos, exceto por um.
queria ter ajudado, mas também queria ter encerrado ali a minha conversa mantendo o otimismo.
e o bom humor.
~C., porém, trouxe mais informações
~C. me pareceu otimista apesar dos reveses de sua vida.
no outro dia, fiquei curioso. fui perguntar.
~C. apesar dos 8 reais subtraídos, que era para o bolo de uma colega de trabalho que não foi comprado? talvez para uma festa ou café que não aconteceu? e ainda correndo o risco de ela ter passado um calote incidental na colega caso estivesse comprando o bolo dela?
enfim, ~C. me deixou com muitas perguntas por responder, mas dois ensinamentos.
perder dinheiro é triste; e
digitar números de pix exige atenção.