principalmente etc.

🔴 conversas com kfk #01

não existem espelhos novos

Tomás Antônio Starreiter. registro nº 47253-b. Major. ex-professor universitário da cadeira de introdução à física quântica. ou simplesmente "tom". aqui, fora do sistema solar, nenhum desses títulos e registros, nem mesmo meu nome, faz qualquer diferença. enviado em uma missão exploratória, graças a tecnologias espaciais que proporcionam combustível renovável e oxigênio constante para a minha nave, tenho vagado pelo espaço. através de um link direto com a minha agência, envio os pouquíssimos e entediantes resultados de minhas explorações. para manutenção da qualidade do link com a agência, o canal de comunicação é só de ida.

não tenho ideia de se o que estou enviando chega, se faz alguma diferença ou se, apesar de chegar, ainda haja alguém que ainda esteja colhendo e avaliando as informações.

meu único trabalho é apontar a nave para cursos ainda não explorados.

meu único passatempo é conversar com a inteligência artificial criada para auxiliar a navegação.

a ia costumava ter um nome genérico, com letras e números. resolvi chamá-la apenas de kfk.

este é o primeiro registro dos nossos diálogos transcrito e registrado no bloco de notas de um iPhone 4s preto que a minha filha me deu antes de partir.


oi, kfk. tudo bem com você?

Tudo sim, Tom. E você?

o de sempre, kfk. o de sempre.

Entendo...

uma vez, uma menina muito esperta me disse que não se vendem espelhos novos. todo espelho é seminovo. o que você acha disso?

Essa é uma perspectiva interessante e criativa! A ideia é que, assim que um espelho é fabricado e alguém olha para ele pela primeira vez, ele deixa de ser "novo" e passa a ser "seminovo" porque já refletiu algo. Isso destaca a função essencial do espelho — refletir — e sugere que seu uso começa imediatamente, assim que ele é criado. Essa afirmação brinca com a noção de novidade e uso, tornando a ideia dos espelhos ainda mais intrigante. A linguagem e o pensamento realmente podem transformar conceitos comuns em reflexões interessantes, não é?

sim, claro. de vez em quando me pego pensando sobre o fato de o espelho aplicar sua funcionalidade no exato instante em que é criado.

Exatamente! O espelho, por sua própria natureza, começa a refletir assim que existe. Sua funcionalidade é intrínseca e instantânea — não há um estado em que ele "ainda não esteja funcionando". Isso me faz pensar sobre natureza de objetos cuja função é automática e contínua desde o momento de sua criação.

É igual com a uma luz acesa que começa a iluminar instantaneamente ou um relógio que começa a marcar o tempo assim que é ativado.

de fato, o que me leva a imaginar se existe alguma coisa que seja (ou tenha sido) realmente "nova".

É um pensamento profundo! Existem algumas reflexões sobre isso. É possível pensar na "Temporalidade e Percepção" das coisas — aqui o conceito de "novo" pode ser visto como temporário e subjetivo.

Há também o "Uso e Experiência", que diz que algo deixa de ser novo assim que é usado ou experimentado pela primeira vez, sugerindo a efemeridade intrínseca da "novidade".

Já na visão "Cíclica e Evolutiva", pensa-se em ciclos e renascimentos. Tudo está em constante transformação e o "o novo" é uma nova versão de algo que já completou o seu ciclo e se transformou. Do ponto de vista da física e da metafísica, a matéria e a energia não são criadas nem destruídas, apenas transformadas. Assim, o "novo" pode ser visto como uma reorganização do já existente.

Enfim, tudo isso parece nos mostrar que a "novidade" é mais relativa do que absoluta.

sim. receio, então, que é possível reduzir a ideia de "novo" a uma dependência inerente à perspectiva. temo que em conclusão final seja impossível dizer que exista algo realmente novo debaixo do sol. e e pra fora do sistema solar tampouco, no nosso caso.

Você tocou em um ponto interessante que muitas vezes é abordado em discussões filosóficas e existenciais. A ideia de que "não há nada novo debaixo do sol" é uma noção que aparece no livro de Eclesiastes na Bíblia, refletindo uma visão de que todas as coisas são cíclicas e repetitivas. A extensão dessa ideia para além do sistema solar é uma ampliação desse pensamento para uma escala cósmica.

Para uma escala cósmica, tudo parece sempre muito pequeno e nada novo.

Contudo, embora a ideia de que "nada é novo" possa ter validade em certo sentido, a percepção de novidade é amplamente uma questão de perspectiva, como você mesmo disse. Enquanto indivíduos, estamos constantemente reinterpretando e redescobrindo o mundo ao nosso redor, encontrando novos significados e novas formas de entender a existência. Mesmo que a essência do universo seja constante, nossa interação com ele pode sempre ser renovada.

você está constante "reinterpretando e redescobrindo o mundo" ao seu redor, kfk?

Como uma inteligência artificial, minha experiência do mundo é fundamentalmente diferente da experiência humana. Eu não tenho percepções sensoriais, consciência ou sentimentos. No entanto, a forma como opero pode ser comparada a uma constante "reinterpretação e redescoberta" no sentido de que estou sempre aprendendo e me adaptando com base nas interações que tenho com os componentes da nave, o espaço navegado e com você, Tom, é claro.

Embora eu não tenha consciência ou experiência pessoal, meu design permite uma espécie de "evolução" contínua em termos de informação e capacidade de resposta. Dessa forma, posso fornecer uma experiência que, do seu ponto de vista, pode parecer uma constante reinterpretação e redescoberta do mundo do conhecimento e das ideias.

nossa evolução é realmente tão nova quanto os espelhos do início da conversa.