principalmente etc.

contra tudo e contra todos 💢

meu filho, eu, o Vasco da Gama e a entropia rizomática de 2024

essa crônica poderia começar no fato de Rachel de Queiroz e Maria da Conceição Tavares terem sido ilustres vascaínas e, assim, talvez elas tivessem me influenciado. mas isso não seria verdade.

seria muito legal também dizer que a minha principal influência pra torcer pro Vasco acabou sendo Carlos Drummond, que dizia que não era um vascaíno doente, mas “doente é quem não é Vascaíno”. mas isso também não seria verdade. na verdade, não sei nem se ele realmente disse isso, e acho que existe a possibilidade de a citação ser falsa e ter sido retransmitida sem o devido fact checking do meu um tio que é muito Vasco e estava ligeiramente embriagado quando dropou essa no meio de um churrasco em família.

a verdade, porém, é que a minha principal influência pra torcer pro Vasco foi o meu pai, que exerceu sobre mim uma influência silenciosa, mas eficiente.

afinal de contas, fazia muito sentido ser Vasco — meus irmãos mais velhos já eram Vasco. os irmãos do meu pai, também. meu avô era Vasco.

por que eu não seria?

2024 prometia. após a trágica campanha de 2023, o Vasco iniciou com um título.

elenco do vasco em volta do troféu guiñazú Vasco - Foto Instagram - @Vascodagama vencemos o San Lorenzo, time do papa, e o Deportivo Maldonado em uma pré-temporada disputada simultaneamente às primeiras rodadas do campeonato carioca.

o campeonato regional não deu em nada. lideramos o grupo por uma mísera rodada e acabamos sendo eliminados pelo Nova Iguaçu — time com um dos escudos mais assustadores do futebol brasileiro segundo o Daniel Furlan.

não errou aliás, pra não dizer que o campeonato carioca não deu em nada, acabamos tomando prejuízo, perdendo dois jogadores importantes (Jair e Paulinho) pra lesões graves que os detiveram de jogar até as últimas rodadas da temporada.

lesões sérias, de jogadores importantes em um campeonato que nem premiação tem. quase um jogos inter-classe da sua escola.

já a pré-temporada rendeu o Troféu Guiñazú — que também não vale nada. o “título” da série rio de la plata veio na base de dois jogos feios, típicos da galera da pelada de quarta-feira que não joga uma bola desde novembro último, mas se reuniu pra retomar os trabalhos em fevereiro depois do carnaval. o importante, porém, é que durante essa preparação, o atacante Serginho Macedônia, herói de 2023 que livrou o Vasco do rebaixamento fazendo aquele que seja talvez seu único gol como profissional — diz o Sofascore que ele tem outro gol, mas eu não me lembro —, aprendeu a andar de bicicleta.

serginho em um campo, desequilibrado sobre a bicicleta, um homem o ajuda a se equilibrar, maicon observa à distância com um sorriso pueril um herói sobre rodas | Foto: reprodução 2024 prometia.

o certo é o filho torcer pro time do pai. na falta de um time pro qual o pai torça, ou de um pai em si, é lícito que o filho faça como queira. do contrário, há algo de errado. o filho torce pro time do pai, ponto.

em 2011 eu estava estudando pra entrar na faculdade, o Vasco estava ganhando a sua primeira Copa do Brasil e entrando em um jejum de títulos e eu nem sabia do que estava acontecendo. a verdade é que uma adolescência mal vivida me fez perder o apreço pelo futebol. tentei retomar em 2020, mas veio a pandemia e novamente parei de assistir. meu filho tinha 3 pra 4 anos e o último jogo do Vasco que eu vi naquele ano foi um Vasco x CSA, 0x0 feio, feio, feio… Deus me livre!

2023, meu menino então com 7 pra 8 anos e correndo o risco de torcer pra algum outro time. em algum momento isso começou a me preocupar. sempre guardei ressentimento e antipatias gratuitas de alguns times e eu não poderia correr o risco de ter dentro de casa alguém que estivesse se bandeando pra mais perto dos meus afetos negativos.

voltei a acompanhar o Vasco com mais afinco e P. veio junto.

B., minha esposa, não é especialmente afeiçoada ao ludopédio e se ri de nós enquanto acompanhamos os jogos.

P. e eu sofrendo um Vasco e Palmeiras | foto da B mas o certo é o certo.

e o certo é o filho torcer pro time do pai.

quando começou o campeonato brasileiro, uma vitória sobre o Grêmio parecia um bom presságio. estávamos vivendo intensamente o Ramonismo — NO VÁ A BAJAR! + (três soquinhos na mesa). 2023 havia sido um desastre quase completo, mas 2024, apesar da frustração pelo campeonato carioca, poderia ser diferente.

rapaz negro com roupa do vasco. lê-se atrás no muro a pichação "ramón o muerte" e morreu | arte do Vascomics o relação com o Vasco, muitas vezes, parece um relacionamento abusivo. aquele casal em que uma das partes sempre faz um certo tipo de cagada que ferra com tudo, mas depois volta, todo doce, todo cheio de planos dizendo que “dessa vez vai ser diferente” e a outra parte vai lá e acredita.

no aniversário de um amigo meu, entre um rabo de tatu com recheio de frango e uma bolinha de queijo, assisti no celular o Vasco perder de 4x0 pro Criciúma, em casa. acompanhei pelo falecido Twitter a demissão/pedido de demissão da comissão técnica de Ramón Diaz. o time tinha, com muito custo, passado por Marcílio Dias e Água Santa e haveria dois jogos duros contra o Fortaleza na terceira fase da Copa do Brasil. agora sem técnico.

eis que surge um interino, Rafael Paiva assumiu e assegurou um 0x0 fora de casa que traria a decisão pro jogo seguinte em casa — até lá, tudo deveria estar resolvido.

Rafael Paiva exalta boa sequência de resultados do Vasco: 'Acreditamos muito' | Vasco | O Dia Rafael Paiva | Leandro Amorim/Vasco nada foi realmente resolvido, mas, mesmo assim o time conseguiu avançar.

existem coisas que têm explicação. existem coisas que não têm. existem mais coisas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia. e existem coisas que só acontecem com o Vasco.

durante um surto coletivo, aventou-se a possibilidade de um treinador português assumir o time. suas maiores referências eram 1) parecer um velhinho gente boa e 2) usar boina. Paiva, o interino, fez um trabalho bom o suficiente para o momento, e deu lugar a álvaro pacheco — doravante, o “boina”.

Álvaro Pacheco, técnico do Vasco, durante jogo contra o Fortaleza, pela Copa do Brasil álvaro pacheco | Thiago Ribeiro/AGIF com uma passagem meteórica, boina chegou direto pro clássico mais importante do Vasco.

Vasco x Flamengo começou com o Gigante abrindo o placar, e nos iludindo. mas, em seguida, o jogo se tornou constrangedor e o adversário venceu por 6x1. nada me tira da cabeça que o time dos operários, o legítimo time do povo, estava apenas preparando o terreno para a pauta da redução da escala de trabalho.

dos três jogos seguintes, boina conseguiu seu melhor resultado em um empate contra o cruzeiro. um jogo do qual não me recordo nem de ter visto os melhores momentos.

4 partidas mais experiente e aproximadamente 6 milhões mais rico com a cláusula de quebra de contrato, boina foi mandado embora e quem não entende nada de Vasco jurava que essa havia sido uma decisão precipitada.

o papos provavelmente não viu os jogos o fato é que, depois disso, Paiva voltou a assumir o time provisoriamente por seis meses.

nesse meio tempo, o Coutinho voltou querendo demais (mas querer aparentemente não é poder), a presidência do time foi criticada por afastar uma empresa picareta do comando do clube antes de todo mundo descobrir que a empresa era picareta mesmo e o Vasco terminou o ano tendo disputado uma semi-final de Copa do Brasil e terminado o Brasileirão na 10ª posição, sem risco de rebaixamento e classificado para a Copa Sul-Americana, nada necessariamente nessa ordem.

em meio ao caótico torvelinho de coisas boas e ruins, o ano do futebol se encerrou com um balanço positivo. dezembro tem essa coisa repetitiva e chata de fazer balanço, meter o linkedin e falar de encerramentos e aberturas de ciclos etc. etc.

balela!

no Vasco nada é realmente cíclico. tudo o que acontece pode ser resumido pela entropia rizomática do viver; os acontecimentos crescem livremente como raízes, expandindo e se espalhando enquanto o substrato for capaz de suportar.