principalmente etc.

considere o sonho

a vaca, o sonho e as palavras

“vaca”. quando você lê a palavra “vaca”, você pensa em uma vaca conceitual. não é uma imagem específica de uma vaca específica. talvez nem mesmo seja a mesma vaca que eu pensei ao escrever este parágrafo.

a palavra “vaca” evoca o bicho e a palavra não é o bicho. quando nos comunicamos, estamos constantemente usando palavras para evocar coisas — experienciamos uma coisa em termos de outra.

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a metáfora é o recurso expressivo que me faz dizer uma coisa no lugar de outra e, mesmo assim, permancer no domínio da compreensão.

se digo “Capitu é uma vaca”, dificilmente a primeira significação da frase será uma cabeça de gado cujo nome é “Capitu”. embora isso seja possível.

“vaca” é metáfora comum para uma ofensa a mulheres com determinados comportamentos (que Capitu, a meu ver por sinal, não tem). nesse caso, digamos que Capitu fosse uma “megera”, — mas por que usar “vaca” em termos de “megera” para predicá-la?

palavras carregam significado. o significado é a medida do seu peso. e a “vaca” palavra condiz com o peso da vaca bicho.

na busca por significar mais, estamos sempre usando um termo em termos de outro. essa é a lógica do processo.

o linguística alemão Bernd Heine propõe que exista uma extensão do significado das palavras de acordo com uma escala que segue assim:

PESSOA > OBJETO > ATIVIDADE > TEMPO > ESPAÇO > QUALIDADE.

o signicado começa naquilo que está mais próximo de existir no mundo concreto e proferir a palavra (PESSOA) e termina em algo que só existe de maneira abstrata e só pode ser compreendido através e outras palavras (QUALIDADE).

VACA (BICHO/CONCRETO) > > > VACA (QUALIDADE/ABSTRATA)

eu não perguntei, mas tenho certeza que Heine deixa você entender “qualidade” no exemplo acima em termos de “defeito”.

do concreto ao abstrado é que se vai. é impossível construir um mundo antes que algum mundo já não esteja construído. aquele vem a partir deste.

contudo, nas noites de bom sono, surge uma realidade dependente da realidade que não tem amarras com a realidade.

considere o sonho.

“sonho”. quando você lê a palavra “sonho”, você pensa em um sonho conceitual.

não é uma imagem específica de um sonho específico. talvez nem mesmo seja o mesmo sonho que eu pensei ao escrever este parágrafo.

a palavra “sonho” evoca o ato e a palavra não é o ato. quando nos comunicamos, estamos constantemente usando palavras para evocar coisas — experienciamos uma coisa em termos de outra.

o sonho é abstrato e só podermos tratá-lo em termos de outros termos.

mas, contrariando a escala de Heine, o abstrato doce sonho do sono usa a mesma palavra para o concreto doce sonho da padaria.