principalmente etc.

amadurecimento culposo

quando não há intenção de amadurecer — feliz dia das crianças

as companheiras da escola organizaram um mural com fotos de criança de todos os professores. achei a ideia sensacional logo de cara.

aglomerados em frente ao mural, uma dezena de alunos (talvez mais) apertam os olhos e apontam, tentando descobrir quem é no presente aquelas versões do passado que as fotografias mostram.

zoam as fotos zoadas e, talvez, entendam que os seus professores também existem fora das salas de aula, fora das escolas, pensam e falam sobre outras coisas que não as matérias que lecionam, sentem raiva, amor, medo e, pasmem, até já foram crianças.

até mais ou menos os 6 anos de idade eu falava que queria ser “padre” quando crescer — nunca entendi muito bem o porquê. todo mundo achava muito engraçadinho, e imagino que as risadinhas dos adultos tiravam por menos, uma vez que quase nada dessa época dura, pois a maioria dos objetivos ainda não passa de sonhos, sugestões e possibilidades absolutamente aleatórias.

na infância, tudo parece proporcional em necessidade e evanescência.

eu devia ter tirado alguma foto do mural depois de pronto, mas a correria e o desleixo me impediram. a ideia, porém, posso garantir, foi muito bem executada e me fez pensar na última parte do solilóquio de Charlie, protagonista do filme “as vantagens de ser invisível”, baseado no livro homônimo:

“e tem gente que esquece como é ter 16 anos assim que completa 17. e saiba >que tudo isso vai virar história algum dia e nossas imagens vão virar >fotografias velhas e a gente vai se tornar a mãe e o pai de alguém.”

os primeiros “o que você vai ser quando crescer?” são quase sempre baseados em sonhos que, na maioria das vezes, carregam a aleatoriedade intacta da criança.

depois é que vão chegando as limitações, os traumas e aí a gente que queria ser padre, passa a imaginar que vai fazer design de jogos, porque gosta de video game, depois descobre a necessidade de entender uma série de conteúdos que detesta na escola; daí resolve começar a estudar pra fazer faculdade de música (já sabendo que é pra ganhar a vida como professor), mas ao entrar no primeiro emprego, percebe que não tem mais tempo pra se dedicar ao instrumento musical; no fim das contas, acaba fazendo uma faculdade que já é meio parecida com o trabalho da vez.

no meu caso, foi Letras — quando eu já estava dando aulinhas de inglês.

entretanto, apesar de não fugir do pragmatismo que a vida adulta empurra goela abaixo, produzindo um amadurecimento culposo (quando não há intensão de amadurecer), procuro ter em mente a ideia do mural do dia das crianças lá da escola — uma oportunidade de imaginar que eu já fui criança e que todas as pessoas com quem eu convivo também já o foram, e que todas as crianças com quem eu convivo, um dia vão passar por esse processo triste e necessário do amadurecimento também.

quem sabe algo de positivo saia desse pensamento aí.