principalmente etc.

a verdade é uma chave pendurada no poste

ou uma arma guardada no cofre

lembra quando as redes sociais costumavam ser sites e não apps?

é! sites! aquelas coisas que você tinha que digitar em um navegador — começava com um www e terminava com um ponto com, ou algo do tipo. então, nessa época, não existia essa coisa de marketing pessoal, público, engajamento, algoritmos, monetização etc. etc. ninguém tava ali pra tentar vender ou ganhar nada. tudo era perda de tempo.

eu tenho tentado voltar a usar as redes sociais exatamente dessa forma. assumindo que nenhuma delas serve pra algo em específico e das quais eu não vou achar nada perene ou proveitoso.

odair saiu de casa e pensou na arma que havia comprado, guardada dentro do cofre que guardara embaixo da cama. o cofre era desses que, de vez em quando, aparecem uns caras vendendo na caminhonete de uma picape estacionada na beira da estrada. “compre cofres aqui”, é o que se lê em letras garrafais pretas e vermelhas sobre um fundo amarelo ovo em um banner plastificado amarrado entre o retrovisor da picape e o poste da rua.

quando odair chegou em casa com um pequeno cofre, rosilene, sua esposa, perguntou se ele tinha ficado doido e se tinha tirado dinheiro do rabo pra comprar aquela porcaria.

e pra que, afinal de contas, um pé-rapado que nem ele precisaria de um cofre.

até onde podia se lembrar, não tinham nada que merecesse tanta segurança para ser guardado.

o grande lance do instagram, quando era um aplicativo que apenas donos de dispositivos apple poderiam usar — digo dispositivos porque acho que foram os iPods com câmera que começaram isso — enfim, o grande lance do instagram era tirar fotos aleatórias, com uma legenda nada ver, colocar um filtro de estética duvidosa e fazer um post integrado com o falecido twitter.

era lá que eu via as fotos do eduardo, um conhecido, que, desapareceu quase que por completo (inclusive da vida virtual), e eu ficava achando super legal a ideia desse site que servia para as pessoas postarem esse tipo específico de foto. anos mais tarde, abriram o site para usuários de android e eu pude abrir uma conta no tablet acer com android que eu tinha, já que o meu telefone da época era um sony ericsson xperia x8 preto que baixava só o whatsapp como app e abria sites no navegador opera.

antes de toda essa manifestação verbal de nostalgia inútil, eu comecei recentemente a seguir os passos do eduardo, e dos primeiros usuários do instagram — estive postando fotos aleatórias sem muito sentido, com uma legenda nada ver, usando um filtro de qualidade estética duvidosa — agora no meu iPhone (já desatualizado) .

o pai de odair nunca esteve muito por perto, mas ele tinha certeza que o velho o ensinara que a honra de um homem se lava com sangue. no forró, tião, ajudante na obra, havia roçado rosilene de um jeito estranho. talvez estivesse só tentando passar pro outro lado do salão e, no lugar apertado, acabou se encostando demais, mas odair podia jurar que viu, nos lábios de tião, um sorriso aprisionado no pouco de vergonha na cara que lhe restava.

no dia seguinte, uma segunda qualquer, comprou um 38 e três balas com uns moleques que mexiam com droga perto da obra onde ele trabalhava. odair observava muito aquele pessoal, mas, visivelmente, não tinha nenhum traquejo, nenhuma intimidade com a situação em curso. quando pegou a arma, sem noção do peso, quase deixou cair. “ô, tio. prende no cinto da calça, com o cano pra dentro da cueca e joga a camisa por cima”. no caminho pra casa, de bicicleta, estava incomodado de carregar o trabuco na cintura, então parou ao lado de uma picape estacionada na calçada e acabou comprando o cofre.

saiu dali olhando, desconfiado.

e, parando em uma rua deserta, trancafiou a arma na urna e meteu a chave no bolso.

ficou pensando, enquanto pedalava com o pequeno cofre amarrado na bagageira da monark azul de quadro circular, — chegar em casa com a urna acinzentada e brilhante chamaria muita atenção. se estivesse com a chave, leninha o faria abrir o cofre com certeza.

teria que explicar aquela arma de fogo dentro se casa.

parou no semáforo e enquanto um único caminhão branco de mudanças atravessava a sua frente, pensou em como explicaria o mínimo possível para a esposa.

e desistiu.

foi então que percebeu, de lampejo, um parafuso mais sobressaltado atrás do semáforo de pedestres e, então, decidiu pendurar ali, a chave do cofre.

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era o esconderijo perfeito.

as pessoas nunca encontram as coisas que estão sempre à mostra.

tudo o que você leu aqui sobre odair, rosilene e tião é mentira. ou melhor, ficção.

o […] homem tem uma invencível tendência para se deixar enganar e fica como que enfeitiçado de felicidade quando o rapsodo lhe recita, como se fossem verdades, os contos […], ou quando um ator desempenhando o papel de um rei se mostra mais nobre no palco do que um rei na realidade.

segundo o que prega o bom senso, a moral e os bons costumes, a maioria das religiões e aquilo que as nossas mães nos ensinam desde pequeninhos, devemos odiar a mentira. odiar odair.

a ficção, porém, abre esse precedente para nos deixarmos enganar e, ainda assim, ficarmos felizes com isso.

redimir a mentira. amar odair.

odair teve receio de tirarem a chave de lá, mas, se conteve, não foi vê-la durante o fim de semana. não teve forró no domingo e ficou em casa com rosilene.

começava mais uma semana para pensar se usaria, ou não, a arma.

na segunda-feira, passando pelo semáforo, olhou o parafuso saliente: a chave lá, pendurada no parafuso.

a arma em casa, guardada no cofre.

entre para o clube principalmente etc. de leituras aleatórias